A expectativa de vida dos brasileiros anda pela casa dos 77 anos. Isso significa que as novas gerações, ao passarem mais tempo por aqui, poderão assistir a novas e importantes transformações no modo de viver nas cidades do que as antepassadas. Olhando para 1950, quando as pessoas viviam em média 45 anos e comparando com a previsão atual, percebe-se um aumento da ordem de 70% na possibilidade de duração da existência nesse mundo. Mirando o futuro, estima-se que esse tempo de permanência chegue perto dos 90 anos em 2100.
Nesse mesmo período, o Brasil viveu um significativo e acelerado processo de urbanização. Éramos cerca de 70 milhões de habitantes na década de 60, quando, pela primeira vez, passamos a ter mais gente vivendo em cidades do que no campo. De lá para cá, a população do país triplicou, chegando perto dos 210 milhões, dos quais 85% urbanos, o que significa dizer: em seis décadas a quantidade de moradores das cidades brasileiras quadriplicou de tamanho. Perto de 145 milhões de pessoas engordaram as áreas urbanas, sobretudo as localizadas em regiões metropolitanas.
Olhando para frente, há duas projeções a merecer atenção: uma, a de que entramos num período de redução das taxas de crescimento demográfico, o que deve deixar estável a população até 2040, e, daí em diante, reduzi-la gradativamente, com previsão dela estar, em 2100, um pouco menor que a atual. Graças principalmente, segundo especialistas, ao declínio da taxa de natalidade. Mas há um ”porém”: a urbanização seguirá crescendo, o que manterá pelo menos 180 milhões de pessoas nas cidades, vivendo majoritariamente nos médios e grandes municípios.
O Brasil urbano seguirá nos desafiando com suas potencialidades e sequelas acumuladas.
Uma tendência em curso, verificada em quase todo mundo e que deve acentuar-se nas próximas décadas, é a de verticalização das cidades. O número de apartamentos, por exemplo, mais do que duplicou entre 1984 e 2019. Já são mais de 10 milhões deles em todo o país, fazendo nesses 35 anos quase dobrar sua participação proporcional no total de domicílios existentes. Ainda que 85% da população continue a viver em casas horizontais, a produção de edifícios residenciais teve um acréscimo de 70% só na última década. O exemplo de São Paulo que, recentemente, registrou mais apartamentos do que casa em seu estoque imobiliário parece corroborar tal previsão.
Uma outra expectativa que merece avaliação cuidadosa é a do crescimento contínuo, em torno de 2% ao ano, da frota de veículos circulando nas cidades brasileiras. São mais de 100 milhões deles. Há uma década não passavam dos 60 milhões. Um crescimento da ordem de 60%, acompanhado ainda de um explosivo incremento na utilização de motos, que já ultrapassa 30 milhões de unidades, o dobro do computado 10 anos atrás. A seguir por esse caminho, a cidade brasileira parece que vai parar sobre rodas.
Essas e outras previsões estão sujeitas ao desempenho da política, da economia, da conjuntura internacional e mesmo das mudanças climáticas, sem deixar de considerar ainda as alterações nos hábitos e costumes da sociedade, o que pode significar transformação para melhor ou para pior na vida nas cidades, dependendo também do modo como serão tratadas ou mitigadas. Cotejando-as e tentando avaliar seus impactos na vida agora mais alongada das pessoas, dá impressão de que prever o futuro das cidades pode estar mais próximo de um exercício de quiromancia do que de um ato de previsão técnico e científica. Quem sabe uma cartomante não faria melhor?
Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade
Comments