Há, Brasil afora, muitas cidades fazendo a revisão decenal e obrigatória de seus planos de diretores. Esse instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, segundo a Constituição, pode mais do que usual e majoritariamente tem entregue, principalmente às populações mais vulneráveis das médias e grandes cidades, incluindo aquelas encrustadas em regiões metropolitanas. Deve-se essa frustração de expectativas a timidez da maioria dos planos na utilização de ferramentas mais eficientes de ordenamento territorial e de recuperação da valorização imobiliária, provocada pelas ações do poder público, porém captadas pela cadeia produtiva do espaço urbano.
No que diz respeito a tornar as cidades mais justas, inclusivas e sustentáveis é fundamental que as revisões em curso adotem a verticalização e o adensamento das áreas centrais das cidades, dos corredores de transporte público e do entorno de suas estações. Isso significará orientar e dirigir o desenvolvimento urbano, de modo a facilitar a mobilidade das pessoas, reduzindo a dependência delas do automóvel. Para tanto, será necessário a tais revisões a adoção de medidas de incentivo ao transporte público e coletivo, através da consagração de uma rede intermodal potencializando todos os modais, sem pré-conceitos ou sonhos com previsão de meio século para maturação.
Com relação à desigualdades sócio-territoriais presentes na maioria das cidades e muitas das vezes incentivadas pelo próprio poder público, é imprescindível diminuir a distribuição desequilibrada no espaço urbano das moradias, empregos e atividades de comércio e serviços. Pode-se combater tal disparidade via incentivos a consolidação das centralidades existentes ou mesmo novas, caracterizadas já pelo uso misto e intenso do solo e por ambiente de convivência cotidiana viçosa e acolhedora a diferentes classes sociais. Emergirá de diretrizes como essas uma cidade mais compacta, coesa e com deslocamentos ágeis e facilitados de seus habitantes.
Para demonstrar o quanto essa nova cidade é possível e alcançável, torna-se indispensável estimular no plano diretor revisado, grandes projetos urbanos de revitalização de áreas subutilizadas ou mesmo abandonadas, prioritariamente as de propriedades do poder público. Com objetivo de nelas implantar empreendimentos paradigmáticos, capazes de por suas dimensões e localização, reproduzir a cidade dentro dela mesmo, demonstrando os ganhos e benefícios do adensamento demográfico, da verticalização predial, do uso misto nas edificações, da diversidade social e de renda nas moradias e das fachadas e calçadas ativas, entre outras medidas. Tudo em muita quantidade, junto e misturado. Transformando a cidade a vista d’olhos e no prazo mais curto possível.
É imprescindível para tanto, que nas revisões em curso, se dê especial atenção aos vazios urbanos, sobretudo os do poder público, pois sendo latifúndios urbanos por exploração torna-se imperioso desová-los, fazendo com que cumpram a função social da propriedade exemplarmente. Determinar prazo para realização de chamamentos públicos, destinados a selecionar projetos da iniciativa privada, com aproveitamento intenso, misto e inclusivo de tais imóveis, pode ser um ganho expressivo dos atuais planos diretores, antes da próxima revisão. Oportunidades não faltam.
Outro aspecto a ser considerado pelas revisões é o da qualificação dos espaços públicos, através da ampliação das áreas verdes, da recuperação do leito dos cursos da água, do alargamento das calçadas, da implantação de ciclovias e ciclofaixas, entre outros cuidados, reduzindo cada vez mais o protagonismo dos automóveis nas vias públicas em favor dos pedestres, ciclistas e do verde. As cidades podem ficar melhor entre esta e a próxima revisão de seus planos diretores. Principalmente se souberem a quem querem servir, de que forma e quando. Possível é, basta querer.
Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa,
autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade
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