Ainda é comum, mundo afora, encontrar em grandes estações de transporte ou ambientes de muita frequência de público a seção de achados e perdidos. No caso da gare Dom Pedro II, a estação Central do sistema de trens metropolitanos do Rio de Janeiro, o que se tem perdido muito são os passageiros. Nos últimos anos, o número caiu de 32,5 milhões, contabilizados em 2012, para 20,3 milhões em 2022. A cada dez passageiros, quase quatro simplesmente sumiram. Achá-los de volta é desafio intra e extramuros da concessão. Depende do foco e boa orquestração entre diversos atores políticos, empresariais e sociais envolvidos. Ajustar tal governança é que são elas.
Nos assuntos intramuros, há muito a ser feito. Desde a celebração de um novo termo aditivo ao contrato de concessão, firmado em 1998, e que vem sofrendo sucessivos impactos ao longo de 25 anos de existência. O mais notável deles: o da pandemia, mas não o único. Investimentos tratados e não cumpridos ou adiados, problemas de gestão causados por fatores internos e externos ao contrato, resultaram em visível e crescente precarização dos serviços, transformando possíveis soluções em uma agenda de ações complexas, cujos resultados não devem ser esperados no curto prazo. Achar passageiro perdido não dependerá só disso.
Com uma tarifa que, para ficar de pé, vem exigindo cada vez mais subsídios e em uma economia em crise com rebatimentos acentuados sobre uma periferia metropolitana empobrecida, onde a maior parte dos passageiros se encontra, aponta o quanto o extramuros da concessão interfere e, por isso, exige atenção dos envolvidos, além de uma regulação atenta e efetiva. Como se não bastasse, convive-se com o centro da cidade do Rio esvaziado de atividades e golpeado pelo “home office”. O esforço notável para tentar revitalizá-lo, calcado principalmente na atração de moradias, irá com o tempo, reservar um novo papel para o principal núcleo da metrópole com repercussão nos desejos e nos tipos de viagem a ele destinados. Olhar para o futuro também pode ajudar a arrumar o presente.
Tais fatores, sejam eles econômicos, urbanísticos ou sociais, são tão relevantes que o exame dos números no movimento das estações de trem, na última década, demonstra como eles impactaram de forma distinta os cinco ramais existentes. Assim, o ramal de Japeri teve a maior perda absoluta de passageiros de todo o sistema. Dos 48 milhões perdidos na última década, 13 milhões sumiram por lá. Já, em termos relativos, o de Belford Roxo, que já não andava muito na linha, perdeu cerca de 70% dos usuários, respondendo, agora em 2022, por apenas 2% do total transportado pelos trens operados pela Supervia.
Para além dessas diferenças na performance da perda de passageiros entre ramais, há também notáveis alterações verificadas nos embarques praticados nas estações. Muitas delas perderam passageiros, um pouco mais ou menos do que a média do sistema. Outras, entretanto, cresceram um pouco, é verdade, mas uma destacou-se pelo verdadeiro salto acrobático na conquista de passageiros: a do Maracanã. Após reforma para os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, ela multiplicou por 10 o número de seus passageiros, devido principalmente a um fator: transformou-se numa integração cômoda e funcional com a Linha 2 do Metrô, dando mais uma prova do que a integração entre modais pode fazer para tornar o transporte público de alta capacidade da região metropolitana mais achador do que perdedor de passageiros.
Examinar melhor tais números pode revelar quais estratégias devem ser as mais eficientes na busca de passageiros perdidos e quem sabe até na atração de novos. Tanto para as ações intramuros da concessão, ajudando a definir onde atuar primeiro e mais intensamente para recuperar usuários de forma mais rápida, mas também em relação a fatores extramuros, procurando incorporar medidas que mesmo estando fora das cláusulas contratuais, impactam ou podem impactar de forma expressiva seus objetivos e resultados. As centralidades e os usos do solo do entorno dos ramais, a integração entre os modais, o alcance e validade do bilhete único, entre outras providências, importam e deveriam ser tratadas como pistas para achar os passageiros perdidos. Creio que desse modo não será necessário chamar o Indiana Jones.
Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa,
autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade
Comentarios