Na tarde do último sábado (28), chuvas de verão torrenciais de até 80 mm por hora fizeram reaparecer de modo vigoroso, na encosta escavada por uma antiga pedreira, o fenômeno batizado nas redes sociais e veículos de comunicação de “cataratas de Nova Iguaçu”. Na verdade, ele sempre existiu. Não exatamente como visto agora, mas escorrendo de modo intermitente, na face norte da Serra de Madureira, as águas carreadas por um talvegue, caminho natural de águas, vindo do alto do maciço que divide Nova Iguaçu do Rio de Janeiro.
Há 70 anos, quando no lugar da pedreira havia uma encosta ocupada por um viçoso laranjal, as chuvas eram, em parte, absorvidas pelo solo. Seu excedente descia em velocidade mais amena. Não de modo tão concentrado como ocorreu desta vez, criando uma cachoeira volumosa e, de certo modo, surpreendente, o que fez a cidade sonhar com um “acidente geográfico” digno de virar cartão postal. Afinal não é a toda hora que se vê uma cachoeira com mais de 100 metros de altura.
De fato, se aquela linha d’água vertesse de modo permanente, o lugar certamente viraria uma atração sem precedentes. Uma cascata de respeito, construída, ainda que meio sem querer, pela mão do homem. Porém, tão imponente, altiva e com um marulhar de fazer inveja aos “véus da noiva” da vida. Mas não é assim que funciona, apenas depois de fortes chuvas ocorridas sobretudo no alto daquela serra, chamada do outro lado de Mendanha, é que ela costuma dar o ar suas águas.
Não seria nada mal ver noivas ou debutantes tirando fotos para álbuns de recordação tendo a nova “catarata” ao fundo. Na certa, a falta do que fazer em termos de lazer por aqui, faria da “fake falls” uma atração quase turística. Mas há que ter cuidados para sonhar com a beleza “natural” construída. Pois trata-se de um paredão de rocha escavada a base de explosões diárias de dinamite por 65 anos ininterruptos, enquanto ali funcionou a pedreira. Os procedimentos preventivos adotados, pós encerramento de suas atividades, destinaram oferecer segurança em relação a deslizamentos futuros, não a livrar totalmente a rocha das fissuras acumuladas.
O processo de estabilização será longo e difícil precisar o tempo necessário para tal. A exigência imposta, quando do licenciamento para instalação de um shopping na parte plana e frontal do terreno, determinou a delimitação de uma faixa de proteção obtida através de uma reserva de área não edificável, localizada ao pé de toda a encosta, com cerca de 70 metros de profundidade e que, no caso das últimas chuvas, mostrou-se mais do que suficiente para absorver as pedras e matacões deslocados pela enxurrada ou pelas águas drenadas pelas fissuras ainda existentes na rocha escavada.
O que provavelmente se fará necessário para garantir a segurança dos frequentadores do shopping e de suas atividades externas será um posicionamento mais adequado dessas atividades no terreno, acompanhado de um bom programa de prevenção ao pânico e ao efeito manada provocados pelo barulho causado pelas pedras deslocando-se encosta abaixo. Em paralelo, também serão bem-vindas tentativas de revegetação daquela rocha em forma de anfiteatro, bem como o monitoramento do talvegue localizado na sua parte superior. Se fosse possível manter a cachoeira funcionando de modo seguro e permanente, Nova Iguaçu ganharia uma catarata para chamar de sua e, quem sabe, lhe encher de orgulho.
Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa,
autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade
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