São perto de 500 os bairros oficialmente reconhecidos nos municípios integrantes da Baixada Fluminense. Alguns já centenários, mas a maioria deles nascidos entre os anos 40 e 70 do século passado. Boa parte ainda apresentando carências surgidas do nascer precarizado, do crescimento populacional acelerado e da implantação de infraestrutura de forma lenta e, por vezes, improvisada. Guardam uma característica comum: sua toponímia apesar de bastante diversa, fala de fé, esperança e de um presente repleto de futuro promissor.
Independentemente dessas localidades serem chamadas de bairro, jardim, vila e até de aldeia, vilar ou mesmo vergel, elas em alguns casos anunciam a Nova Era, a Nova Aurora, a Nova Esperança, o Novo Horizonte ou então uma nova cidade, ainda que chamada de Nova Belém, Nova Campinas ou Nova Brasília. Não pouparam atitude autoconfiante quando se anunciaram como o Paraíso, o Éden, o Eldorado, o Canaã ou, acreditem, o Olimpo. E não pararam por aí. Afinal, o que adianta subir aos píncaros sem conquistar a Glória, a Felicidade e a Paz.
Como pretensão e água benta não custam nada, batizaram um bairro de Cosmorama (um lugar com vistas e imagens de todo o mundo). Talvez para ofuscar outros como o Pitoresco, o Panorama, o Campos Elíseos ou, quem sabe, o Primavera. Isso sem contar o do Campo Lindo, o Prados Verdes, o Campo Alegre ou o Brisamar. Não faltou inspiração na natureza para anunciar o viver encantado na Floresta, na Cascata, nos Vales do Ipê ou da Mangueira ou então no Jardim das Oliveiras.
Mas o que não poderia faltar eram as manifestações de fé dando nome de santos e santas a muitos bairros ou vilas, de quase preencher o alfabeto. Faltou talvez o Jardim São Tomé, onde seria possível ver para crer que a fé sozinha não foi capaz de trazer as manilhas, o asfalto e as melhorias tão desejadas quanto anunciadas. Nem nas Vilas Jupira e Jurema, a fé, por outros caminhos, removeu obstáculos. Hoje, igrejas neopentecostais com ar condicionado e algum luxo são plantadas em ruas ainda sem pavimentação, sinal de que vai na fé só não basta. É preciso muita luta política. Por esses cantos, urbanização parece não combinar com milagres nem com livramentos.
Surpreende também os nomes de inspiração indígena. São muitos, ora significando o lugar em tupi-guarani ora lembrando etnias de nossos povos originários. Por conta disso, tome Guaraciaba pra cá, Porungaba pra lá, entre Xavantes e Jacutingas, passando por Urussaí ou Imbariê. Não são só essas as excentricidades dos nomes dos bairros da Baixada: o Barro Vermelho, o Barro Branco, o Areia Branca ou o Barreiro falam de lugares que podem estar próximo do Km 32 ou do 51 de uma rodovia qualquer ou mesmo de uma parada de trem de nome Angélica ou Morabi. O que não falta é criatividade.
E tome nomes a tentar emprestar, a localidade que batizam, alguma identidade ou singularidade, como o Boqueirão, o Sabugo, o Saudoso, o Campo da Banha, o Gogó da Ema, o Buraco da Onça ou o Pau Cheiroso. Alguns outros, menos exóticos, definem com clareza a razão de existir do bairro, como o do Paiol de Pólvora, o do Frigorífico ou o da Fábrica. Ou ainda aqueles que prestam homenagem a Roma, Montevidéu, Lisboa ou Califórnia. Tem um, confesso, deu vontade especial de conhecer melhor: o Estoril Carioca. Onde nome e lugar definitivamente não se casaram.
Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade
Comments