Esta semana mais uma Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) foi divulgada, revelando algumas tendências com significativos impactos sobre como estão vivendo e vão viver as pessoas nas cidades brasileiras nos próximos anos, apresentando, inclusive, algumas mudanças comportamentais aparentemente irreversíveis, indicando transformações importantes no modo como produziremos e reproduziremos a vida urbana por aqui. Um sinal de alerta a considerar.
Uma das transformações mais interessante é que estamos no caminho de construir, cada vez mais, apartamentos do que casas em nossas cidades. Atualmente, cerca de 45% dos domicílios nelas edificados podem ser chamados de apartamentos. Ainda que representem apenas 15% de domicílios existentes, percebe-se uma mudança em curso no jeito de morar. Em São Paulo, por exemplo, o número de apartamentos já é maior do que o de casas. No restante do país ainda estamos longe disso, mas, em uma ou duas décadas, outras grandes cidades atingirão o patamar da capital paulista.
Outra constatação importante da pesquisa é o aumento de pessoas vivendo só, sobretudo idosos. Em quase 12 milhões das 74,1 milhões de residências existentes, segundo a PNAD, isso já acontece. Esse percentual passou de 12,5% para 15,9% nos últimos 10 anos, em visível viés de alta. Isso significa que a pressão por apartamentos menores e adaptados para idosos deve seguir crescendo, impulsionado também por famílias de tamanho menor.
Uma mudança comportamental que também chama atenção é o aumento verificado no percentual de imóveis alugados. Já passam de 21% e registraram alta importante em relação a PNAD anterior. Tal tendência pode contribuir, associada ao comportamento da economia, a volta da velha prática de construir para alugar, acompanhando o que se faz em boa parte das cidades do mundo desenvolvido, indicando a possibilidade da poupança privada ajudar no enfrentamento do déficit habitacional inabalável. A conferir.
Talvez a mais preocupante das revelações apresentadas pela PNAD seja o percentual de domicílios com automóveis: são praticamente 50% deles. Para acentuar a gravidade da situação, em 25% deles existem motos. Esses números indicam que somos um país no rumo da mobilidade urbana de natureza individual e motorizada, contrariando tudo aquilo que se apregoa hoje em termos de sustentabilidade das cidades com o fortalecimento dos transportes coletivos e da mobilidade ativa. O Brasil não só parou na contramão como segue nela em marcha batida a nos fazer parecer impossível reverter tal propensão. O uso do FGTS para aquisição de automóvel, reforça essa tendência nociva às cidades.
A PNAD indica, portanto, boas e más perspectivas para as cidades e elas nos fazem lembrar do que nos ensinava Jayme Lerner: ” tendência não necessariamente é destino”. Mudar rumos é sempre possível no existir das cidades. É preciso querer (fritar o peixe), sem deixar de examinar os números (ficar de olho no gato).
Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade
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