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Foto do escritorVicente Loureiro

O TEMPLO E O VENTO


Diz a bíblia que a fé move montanhas. Em Almofala, distrito de Itarema, no Ceará, deu-se o oposto. Uma montanha de areia moveu a fé de um lugar a ela dedicado: a Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Tremembés, construída na primeira década do século XVIII e inteiramente soterrada em 1898, junto com todas as construções do povoado então existente. Para os moradores da época, pareceu a chegada do Apocalipse.


Naquele tempo, ainda não se conhecia bem as características dos fenômenos naturais da região, como o das dunas móveis alimentadas pelos fortes ventos alísios vindos do mar, capazes de cobrir de areia a igreja e, da mesma forma, 45 anos depois ressuscita-la como se operassem um milagre. Fora o telhado totalmente destruído, o restante do templo permaneceu praticamente intacto. A montanha que havia engolido o lugar de fé foi a mesma removida de lá, para muito dos moradores das redondezas, graças a fé em forma de vento, responsável pela proeza geológica extraordinária.


Quem conta com riqueza de detalhes essa história curiosa é o professor e guardião da memória de Itarema, José de Fátima Silva, autor do livro “Almofala, Relicário de Lembranças”. Com farta documentação histórica, ele relata a saga dessa igreja tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) na década de 80 do século passado e transformada em atração turística do litoral oeste do Ceará, pois trata-se de um exemplar da arquitetura religiosa jesuítica dos mais preciosos e carrega em si, por conta dos fenômenos ocorridos, inegável carisma religioso adicional. Não é toda hora que uma igreja some e reaparece num soprar de ventos.

Não é de espantar, a crença do povo de Almofala, na chegada do apocalipse em 1898, quando a montanha de areia moveu a fé de lugar e também no milagre da ressurreição da igreja, quando em 1943, a força da fé mandou a montanha embora. Afinal são interpretações do mesmo fenômeno ocorridos há 124 e a 79 anos, respectivamente. Épocas em que não se dispunha ainda dos conhecimentos científicos e nem das tecnologias de agora. Surpreendente é nos dias de hoje, com abundância de imagens de satélite, ter gente a acreditar que a terra é plana e propagar tal concepção sem a menor cerimônia. Os tempos mudaram. Para alguns, nem tanto.


Além de joia arquitetônica, a igrejinha de Almofala ganhou fama pelo ineditismo do some reaparece vividos. Impossível não se encantar por suas formas e proporções delicadas e por esse enredo inédito de sair de cena e voltar a existir por força da natureza ou por obra do divino. Mesmo reconhecendo o poder de mudar a paisagem das dunas móveis em todo aquele litoral, não é possível visitar o templo de 310 anos de existência e com duas vidas distintas e não respirar um certo ar de mistério, velado entre suas grossas e irremovíveis paredes.




Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa,

autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade

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