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Foto do escritorVicente Loureiro

POPULAÇÃO FICTÍCIA

Nos lugares, pode haver população fixa, a que neles permanece regularmente, ou, então, a flutuante, aquela presente apenas em datas e ocasiões especiais. Também é possível existirem, nesses mesmos lugares, habitantes migrantes ou até mesmo refugiados temporários. A quantidade total de pessoas contada em determinado território é considerada sua população absoluta. Já, a relativa, é obtida quando se divide o número de residentes pela área da região efetivamente ocupada. Uma publicação extemporânea e inédita do IBGE, divulgada no fim de 2022, criou a categoria de população fictícia.

Explico: tal documento é uma prévia do censo realizado, porém não concluído, em 2022. Os cálculos dessa estimativa foram baseados em modelos estatísticos aplicados aos dados de 83% da população efetivamente recenseada e, à época, disponíveis. Nunca na história daquele órgão isso havia sido feito. O usual seria aguardar os dados finais do levantamento concluído para torná-los públicos. Como o próprio IBGE havia divulgado, ainda em 2021, uma estimativa para a população dos municípios brasileiros, baseada nos dados do censo de 2010, o imbróglio estatístico se estabeleceu. Em cerca de 15% das cidades as estimativas divergiram e muito.

Para todo o Brasil, a população estimada, em 2022, foi 5,5 milhões menor do que a de 2021. No Estado do Rio de Janeiro, perto de 800 mil habitantes evaporaram, pois nunca existiram. A margem de erro foi larga. Há cidades que aparecem com 35% mais habitantes do que o estipulado anteriormente e, outras, que tiveram a quantidade de moradores reduzidas em até 15%. A grita foi geral. Municípios questionaram os números e moveram ações judiciais para não perderem recursos transferidos pelos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, FPE e FPM respectivamente.


Uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, parece ter posto fim à polêmica: não haverá perda dos recursos transferidos. Porém, as estimativas realizadas pelo IBGE não atingem só a repartição dos tributos entre os entes de governo, orientam também diversas políticas públicas, entre elas as de planejamento urbano e habitação, na medida em que alteram a quantidade de população a ser atendida pelas demandas reprimidas identificadas e a quantidade de habitações de interesse social a serem ofertadas em cada uma das cidades, entre outras iniciativas.


Diante do equívoco cometido, teve gente propondo auditoria externa do censo realizado antes de sua divulgação, e, outros mais afoitos, chegaram até mesmo a sugerir a execução de um outro levantamento. Especialistas e alguns ex-presidentes daquele instituto manifestaram-se em favor da confiança nas informações e dados a serem fornecidos pelo IBGE quando concluído os trabalhos de campo e promovidas as correções estatísticas necessárias. Isso, segundo eles, ocorrem em todos os censos no Brasil e no exterior. Lamentam, entretanto, que este último censo infelizmente tenha sido adiado e não dispusesse, para sua realização à contento, dos recursos necessários.

É inegável que sua execução durante um ano eleitoral e a atitude de alguns moradores se negando a receber os recenseadores, dificultou bastante a conclusão dos trabalhos no tempo previsto. Espera-se para março próximo sua divulgação oficial. É fundamental que os resultados finais sejam recebidos com respeito e confiança. São eles que guiarão os governos, as empresas e a própria sociedade civil na busca de políticas públicas mais ajustadas e inclusivas às necessidades da população brasileira, principalmente as da sua parcela mais vulnerável e assentada nas periferias precarizadas de nossas cidades.



Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa,

autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade







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