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Foto do escritorVicente Loureiro

SÍSIFOLANDIA

Atualizado: 11 de abr. de 2023

Poderia ser esse o nome da cidade hipotética a ser construída para dar conta do déficit habitacional do Estado do Rio, estimado em 500 mil moradias segundo levantamento realizado pela Fundação João Pinheiro em 2019. Se de fato fosse possível e recomendável colocá-la de pé, quando pronta seria a décima cidade brasileira em população e teria capacidade para abrigar mais gente do que São Gonçalo, a 2ª maior cidade do estado, e possuiria mais casas que todo território Centro Sul Fluminense, reunindo 23 municípios, entre eles Angra dos Reis, Volta Redonda, Barra Mansa e Três Rios.

Deveria chamar-se assim por conta da lenda grega de Sísifo, condenado a empurrar uma pesada pedra até o cume de uma montanha e, lá chegando, vê-la rolar morro abaixo, exigindo dele a repetição do esforço infinitamente. As políticas habitacionais desenvolvidas por aqui nas últimas décadas não chegam a ser inúteis, mas, como no feito mitológico, seguem sendo insuficientes, pois foram incapazes de dar conta da renitente e crescente escassez de moradias. Fizeram sempre menos do que o déficit exigia.


A prova mais contundente dessa insuficiência histórica pode ser vista na região metropolitana do Rio, onde concentram-se mais de três quartos da demanda estadual por habitação e que não para de ser renovada, a ponto de configurar-se quase como uma meta inatingível, sem tempo visível de ser alcançada. A tentativa despendida durante a vigência do Minha Casa Minha Vida, por exemplo, ilustra bem o enxugar gelo da produção de moradia social entre nós. Deu-se no Estado do Rio mais ou menos o mesmo que o balanço do programa revela ter ocorrido em todo o país: tendo sido concebido para dar conta de um déficit de 7 milhões de moradias e, depois de entregar 4,3 milhões delas em 10 anos, vê-lo mantido no mesmo patamar. Um esforço digno de Sísifo.


Quando tal programa começou a ser implantado, ainda em 2009, o PIB brasileiro passava da casa dos 5% de crescimento ao ano. De lá para cá foi caindo e, há uma década praticamente, patina no chamado PIBINHO. Nesse período, atingimos taxas de desemprego elevadíssimas, atravessamos uma pandemia, assistimos inegável empobrecimento da população com preocupante crescimento de favelas e de moradoes em situação de rua. Um prenúncio de que acesso à moradia digna em ambiente não precarizado, seguirá sendo o desafio principal para uma reprodução inclusiva das cidades, sobretudo as localizadas em áreas metropolitanas.


Os números estão a apontar para a necessidade da política habitacional do país seguir o exemplo do SUS e do FUNDEB em juntar esforços dos três níveis de governo para a provisão de terrenos, locação de recursos e produção de moradias dignas, seguras e bem localizadas. Não pôr foco e prioridade em fazer as cidades se desenvolverem de modo mais equânime e inclusivo, comprometerá cada vez mais a qualidade de vida de todos os moradores, independentemente da faixa de renda e do local de moradia.


Assistir o número de favelas dobrar nos últimos 10 anos e nelas chegar a abrigar mais de 17 milhões de pessoas, quase a população do Chile, deveria acender o sinal de alerta: as grandes cidades brasileiras estão ficando maiores e piores. Não há, nesse caso, milagre à vista. É preciso juntar União, Estados e Municípios, envolver a sociedade civil para rever o modelo de desenvolvimento causador de tanta exclusão e por em xeque a visão ainda predominante de que só a moradia própria irá dar conta de abrigar tantos sem teto. A locação social, a urbanização em assentamentos precários com melhorias sociais, entre outras ações, também deveriam ser consideradas como uma estratégia adequada. Ficou impossível não ver a fisionomia assustadora da miséria marcando presença na cena urbana brasileira.



Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade


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