Há muitos rankings apontando as cidades onde é melhor de se viver. Pesos distintos atribuídos a indicadores de qualidade de vida fazem variar as listas e as posições das melhores classificadas. Outros fatores como tamanho, renda da população e localização geográfica também importam e costumam ajudar a fazer aparecer surpresas entre as mais cotadas. Claro que tais levantamentos são úteis e contribuem para o aprimoramento das políticas públicas, visando melhorar o desempenho de muitas delas. Afinal é sempre bom estar bem na fita.
Mas não é dessas listas que gostaria de falar. Fico a pensar se não seria relevante se pudesse ser elaborada um rol de cidades boas para não morrer. Ou melhor, onde mortes absolutamente desnecessárias pudessem ser evitadas através de medidas efetivas de prevenção e de enfrentamento de problemas sociais complexos. Todas elas voltadas para preservar ao máximo a vida dos cidadãos, principalmente as dos mais jovens e vulneráveis.
Uma das possibilidades de se valorizar a vida nas cidades é reduzindo as mortes provocadas por acidentes de trânsito. Elas já somam cerca de 100 por dia no Brasil, atingindo, na maioria dos casos, jovens entre 20 e 29 anos, causadas quase sempre por excesso de velocidade e por motoristas embriagados. Experiências realizadas em São Paulo comprovam que limitar a velocidade de automóveis em áreas urbanas reduz em mais de 50% os acidentes com vítimas fatais. A Lei Seca, inaugurada no Rio de Janeiro, é outra referência exitosa no combate à condução de veículos em situação de risco.
Uma outra causa de mortes prematuras e evitáveis é a violência urbana. Responsável por mais de 60 mil vidas ceifadas anualmente no país. Resultado de políticas de repressão comprovadamente ineficazes e as de prevenção tão inócuas quanto espasmódicas. A experiência do Programa COMPAZ, implantado no Recife, apresenta redução comprovada de crimes violentos com mortes e serve de alento e de inspiração. Já o aumento expressivo de portadores de armas de fogo nas cidades, através dos clubes de tiro, nos faz mais temer o futuro próximo do que enxergá-lo como promotor de um estado de paz.
Os desastres naturais provocados pelas mudanças climáticas, quando associados às ocupações urbanas indevidas cravadas em áreas de risco de deslizamentos e inundações, têm sido responsáveis por centenas de mortes anualmente nas cidades brasileiras. Em algumas delas, repetidas e sucessivas vezes, podendo assim serem classificados como recorrentes causas de mortes que não precisavam acontecer se medidas concretas de correção ou mitigação fossem tomadas a tempo. A defesa civil no Brasil precisa de muito apoio e investimento. O exemplo dado por Blumenau talvez ainda seja o de resultados mais visíveis e replicáveis.
Há ainda as mortes provocadas por falta de saneamento adequado e por condições de habitabilidade sem segurança sanitária, causadoras de doenças de veiculação hídrica como a leptospirose, por exemplo, e de infecções respiratórias e, até mesmo, de tuberculose.
Mesmo sendo um pouco mais difícil precisar as relações entre causa e efeito dessas e outras moléstias, é possível dizer que elas colaboram em muito para o crescimento das estatísticas de vidas urbanas perdidas prematuramente e, possivelmente, evitáveis. Há, portanto, cidades onde morrer bestamente é mais provável do que em outras. Conhecer esse ranking meio macabro pode ajudar a dar a devida prioridade a valorização e preservação da vida nas cidades. Indicadores e evidências não faltam. Feliz 2023.
Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa,
autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade
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